quinta-feira, 6 de abril de 2023

Bloodshot e as armadilhas da mente (contém spoilers)

 


Bloodshot (2020)  é uma ficção de super-heróis com muito ação. Estrelado por Vin Diesel, é baseado numa história em quadrinhos de mesmo nome, em que um sujeito é ressuscitado e melhorado com emprego de nanotecnologia, tornando-se um Cyborg (cybernetic organism ou organismo cibernético) .


A primeira parte nos apresenta um enredo fraco e previsível, bastante estereotipado, com destaque exagerado às cenas de ação. O personagem adquire capacidade de regeneração quase instantânea, forças e habilidades que o tornam uma “máquina de matar”, saindo em busca de vingança contra aqueles que tiraram sua vida e assassinaram sua namorada. Porém, com o desenrolar da trama acompanhamos Bloodshot numa incrível descoberta: suas memórias foram implantadas e seus sentidos modificados a partir de simulações para que acredite estar se vingando de seus algozes, mas o soldado está sendo usado repetidas vezes para eliminar diferentes alvos predeterminados por seus mentores, como uma arma semiconsciente manipulada por narrativas fragmentadas.

O personagem de Guy Pearce é a mente distorcida por trás do projeto nefasto. Curiosamente, é o mesmo ator que interpreta o sujeito dissociado em Amnésia  e também a inteligência maquiavélica por trás do falso vilão em Homem deFerro III .

Varias ideias e referencias nos vem a mente, passando pela alegoria da caverna de Platão  até as simulações de realidade do universo Matrix.

É interessante perceber na abordagem do filme como nossa mente é persuasiva, criando realidades mesmo diante de memórias e sentidos distorcidos ou pervertidos. Na vida também existem seres mau intencionados, capazes de tirar proveito das reações imediatas de sobrevivência e de defesa territorial administradas por nosso cérebro instintivo e pelo sistema límbico. Podemos reagir impulsivamente e de forma agressiva diante de meras insinuações, ou apenas para defender crenças e opiniões, como se estivéssemos lutando pela própria existência. Esses impulsos podem ser mortais, pois tratam efetivamente da nossa sobrevivência. Se manipulados com más intenções tornam-se armas à favor do caos. É assim que multidões incitadas podem causar estragos irreparáveis em favor de grupos nefastos. Ou meros debates, como uma discussão no trânsito ou uma exaltação numa conversa trivial, podem resultar em tragédias.

Nossa relação com as realidades é envolvente. Não preciso de um óculos virtual para imergir num mundo virtual. A mente já proporciona essa experiência imersiva, preenchendo lacunas informativas com pressuposições, crenças ou lembranças. A consciência não se expande, mas cresce na direção em que orientamos o foco de nossos sentidos, analogamente ao fototropismo vegetal.

Há que se examinar com minucia que nesse fenômeno botânico a luz inibe o crescimento de algumas células de modo que as células menos expostas à luz continuam crescendo, gerando a curvatura de galhos e caules na direção que menos cresce, na direção da fonte de luz.

Para que você cresça em direção a minha luz, eu preciso inibir a abrangência da tua consciência.

Narrativas são como fontes de luz que não contemplam a verdade como um todo, mas direcionam nossa atenção para apenas alguns de seus aspectos, limitando realidades.

O Demiurgo trabalha desse modo, fragmentando e limitando nosso contato com o Todo, direcionando nossa atenção apenas para aquilo que lhe parece conveniente.

Vivemos uma realidade coletiva a partir da manipulação cultural. O excesso de informação tornou-se o mesmo que informação nenhuma. A falta de referências confiáveis e a incoerência provocam angústia e pânico.

Essa instabilidade costuma ser retratada em romances e filmes de ficção. Em Eles Vivem (John Carpenter, 1988)  mídia e propaganda usam mensagens subliminares para induzir comportamentos, aprisionando a humanidade em crenças e conceitos. É preciso usar óculos especiais para perceber o engodo.



Só questionando os sentidos e expandindo a consciência podemos perceber além. É preciso sair da caverna para ver a luz.

O verdadeiro apocalipse não é coletivo, trata-se de revelação íntima, revolução íntima. Porém as atuais conjunturas são tão absurdas que suas silhuetas se transluzem através do manto das ilusões, tornando esta Era propícia para uma fuga coletiva da caverna fantástica.


Aos que buscam a Verdade

 


 Sinopse:

Muitos conhecem a parábola dos cegos que, sem o saber, foram levados a apalpar um elefante. Cada cego apalpava uma parte do animal, descrevendo suas impressões. O que tocou as patas pensou tratar-se dum rinoceronte. O que tocou a calda chegou a crer que fosse uma serpente. O que tocou a tromba acreditou ser um polvo. O que tocou as presas descreveu os chifres de uma vaca. E assim cada um defendeu como realidade aquilo que descobria. Somente a partir da soma de suas perspectivas poderiam conceber que a Verdade era maior do que as realidades que podiam perceber.

É na vastidão da Verdade que nos atrevemos a viajar, buscando transcender com palavras as amarras das realidades que cremos e criamos. Uma busca iniciática de autoconhecimento.

Irmão Lobo é o personagem mítico que encontrou nas sombras um ponteiro de Luz incitando-o a esta jornada. Guiado pelas pegadas de outros buscadores e pelas impressões do Universo Íntimo, a ele recorremos, atribuindo-lhe os textos e reflexões deste compêndio como estímulo para a busca da Verdade em nós mesmos.


Sobre a autoria:

Conta-se que, nos idos do século XIII, Francisco de Assis intercedeu em favor de um povoado que era ameaçado por um lobo faminto. Com sua fé, encontrou e acolheu o lobo hostil, que se transfigurou em seu mensageiro.

“Aos que buscam a Verdade” surge de inspirações, reflexões e canalizações que se organizaram como obra esotérica. Meditando nestas mensagens é possível adentrar aos portais da iniciação.

“Quando um homem aponta a lua, o tolo olha o homem, o sábio olha a lua”. A fim de evitar que se confunda a mensagem com o mensageiro, optamos por atribuir a autoria deste conteúdo à personalidade do Irmão Lobo, pois só a busca da Verdade pode saciar a fome do espírito. Só quando o faminto encontra alimento pode então transfigurar-se em mensageiro da obra celeste.


Onde comprar:

Amazon

Editora Viseu 


No You Tube:













domingo, 13 de outubro de 2019

"Coringa" : Precisamos falar sobre isso...


   Esta semana assisti ao filme “Coringa”, com Joaquin Phoenix.

   Trata-se de um primor técnico de fotografia, direção de arte e demonstração do Método numa atuação majestosa do ator principal. Muito provável que receba o Oscar por sua eficiência técnica.

   Revela-nos, a partir de contextos plausíveis e até bastante atuais, as origens do arquiinimigo de Batman.

   Mas devemos buscar nas subliminaridades algumas possíveis intenções não tão nobres.

   Desde a Alemanha de Hitler a arte deixou de servir a Arte. Há sempre um contexto subliminar, uma intenção velada, ainda mais na indústria do cinema americano que serve tão bem à publicidade comercial, moldando comportamentos há décadas.

   Portanto, as palavras que se seguem são um alerta.

   Já escrevi aqui sobre as similaridades entre a mente humana e a arte cinematográfica. Principalmente quando nos referimos às limitações das nossas percepções e à possibilidade de falsas interpretações das diferentes realidades. Tanto na vida quanto no cinema, é muito fácil se cometer o engano de tomar a parte pelo todo. Uma mesma cena pode mudar totalmente sua conotação a depender da perspectiva adotada. Acrescentam-se requintes técnicos, luzes e trilhas sonoras e corremos o risco de glamourizar a barbárie.

   Longe de qualquer censura, acredito que “Coringa” deve ser visto por todos, mas acompanhado de intensos debates.

   No decorrer da história somos apresentados a um pierrot desafortunado que colhe cena após cena amarguras que não semeara. Na busca pelas origens de sua desgraça, em paralelo à sua escalada para a glória, sua perspectiva vai sendo alterada pela insanidade até que seu senso de justiça distorcida nos apresenta à pior das violências propagando o caos.

   É fácil encontrar na obra a distorção de um discurso político/social, refletindo o burguês opressor na figura de Thomas Wayne e o proletário revolucionário na imagem que vai se criando do Coringa. Mas há alguma verdade em se representar a gênese da loucura e da violência na ausência de vínculos saudáveis.

   Em minha prática terapêutica, vivo atualmente a atormentada realidade de jovens e adolescentes emocionalmente frágeis e deprimidos, entregues à ilusão das redes sociais, jogos e vídeos em seus celulares, permeados por pensamentos suicidas e busca por alívio na dor da automutilação.

   Durante as Oficinas de Roda de Conversa ministradas pela equipe da Dra. Albertina Takiuti, na sede da Secretaria de Saúde do Estado de SP, aprendi que a criação e manutenção de vínculos saudáveis é fundamental para a saúde e qualidade de vida do ser humano.


   À partir da interação com diferentes pontos de vista, convivência saudável com diferentes tipos de vínculo, ampliamos nossa percepção das realidades, somando impressões e experiências. É a única forma de um transtornado não se entregar à repetição de impressões distorcidas e opressivas que povoam sua realidade íntima.

   Entenda, as realidades humanas sempre foram sujeitas aos mais diversos tipos de opressão. Há apenas cem anos nosso próprio país pautava sua economia na escravidão e todos sabemos que de alguma forma essa escravidão persiste. Mas o problema maior é quando internalizamos essa opressão e passamos a acreditar que só ela existe, repetindo em nosso universo íntimo as torturas e perversidades a que fomos sujeitados externamente. A repetição íntima dessas posturas sintomatizam a depressão, provocam ataques de ansiedade e pânico e vêm ameaçando nossa civilização.

   A glamorização de um transtornado mental pode ser perigosa se não for acompanhada do debate. Sugiro levar esse filme às escolas, reunirmos alunos, pais e mestres e agregarmos às sessões de exibição grupos de debates engajados na busca de soluções diferentes a fim de prevenir o sofrimento psíquico e a violência que enlaçam tragicamente o personagem principal.

   Batman e Coringa representam as duas faces sombrias da mesma efígie de Janus. A figura remanescente do  “Louco do Tarot”, profanada e destituída de sua simbologia iniciática.  


   A ilusão da separatividade tem nos assombrado. O abuso moral, americanizado pelo termo bullying, tem corroído as instituições de ensino, os postos de trabalho e a sociedade. Temos vagado como essas figuras tristes, os Skeksis e os Místicos do universo de Jim Henson, recentemente restaurado pela Netflix. A violência não é a resposta, mas sim a reparação dos vínculos, a reunião em torno do fragmento perdido do cristal encantado.


   Amando ao próximo como a mim mesmo, pois encontro nele meu reflexo, sou forjado para a única revolução eficiente: a revolução íntima. Transformando-nos e expandindo a consciência, transformamos naturalmente o ambiente, não da forma infantil que nossa mente segregada sugere, mas de maneira respeitosa, humilde e reunida à consciência cósmica, onde o bem pessoal não é destituído do bem universal.


domingo, 4 de março de 2018

Os Autômatos de Nibirus


Há alguns meses tive a oportunidade de assistir, em um único fim de semana, toda a primeira temporada da série Westworld.




Baseada num antigo filme de mesmo nome, explora a idéia de um parque temático num futuro não muito distante em que visitantes são imersos numa atmosfera de velho oeste. Recepcionados por robôs que dão vida perfeitamente a bandidos, xerifes e donzelas, tudo lhes é permitido a fim de proporcionar uma vivência inesquecível.

Desde o primeiro episódio fui cativado por inúmeros méritos de produção, fotografia, atuação, mas principalmente pelo enredo.

No cerne da trama o que se vai delineando é a questão ética diante da possibilidade de os anfitriões, robôs programados para fazer as vontades dos visitantes do parque, desenvolverem inteligência própria e algum tipo de “humanidade”.

É a discussão sobre inteligência artificial abordada anteriormente em vários filmes, como Blade Runner, A. I., Eu Robô e por aí vai...

Na medida que somos capazes de criar seres inteligentes, devemos respeitá-los e promovê-los à categoria de cidadãos do mundo?

Lembro daquele filme da sessão da tarde, “Um Robô em curtocircuito (Short Circuit 2 - 1988)” em cuja cena final o robô Johnny Five conquista a cidadania americana.

Mas minhas observações vão mais além. Em determinada etapa da história de Westworld, a chave para a inteligência artificial esta num esquema triangular desenvolvido por um dos criadores, e na busca por um mapa, um labirinto.



Memória, improvisação e interesse pessoal, seguidos no topo pela chave de Arnold, que no meu entender remete ao labirinto.



No centro do labirinto, o próprio ser. E o reboot do sistema. Todos os caminhos o levam a você mesmo.

Percebo, vendo a inteligência artificial como a série nos mostra, o funcionamento da nossa própria mente e a similaridade com o processo humano.

Quando a série Matrix estreou em 1999, popularizaram-se discussões sobre a virtualidade de nosso universo e a idéia de que já vivemos em uma simulação.

Do mesmo modo, na medida que somos capazes de desenvolver inteligências artificiais, torna-se grande e evidente a chance de que isso já tenha acontecido antes.

Imagine que num passado distante uma raça ancestral necessitava de mão de obra boa e barata.

Imagine, apenas imagine essa possibilidade. Viaje comigo.

Somos esses autômatos, inteligências artificiais criadas para a execução de trabalhos repetitivos. Frutos da engenharia genética de inteligências superiores provenientes de diferentes pontos do cosmos, criados para servir.

Quem se identificou com essa imagem já deve ter ouvido falar de Zecharia Sitchin e sua controversa interpretação de textos sumérios deixados em taboas de barro com escrita cuneiforme. Seriamos escravos criados pela ancestral raça Anunnaki.

Talvez nossos próprios criadores não se tenham percebido como instrumentos de uma força maior, criando em seus servos mais uma forma de manifestação do mistério.

Em algum ponto se deram conta de que também abrigávamos a individualidade e a centelha do divino de modo que a ética cósmica os obrigou a nos deixar para prosseguir e evoluir sob a responsabilidade do livre arbítrio.

No entanto a memória dos velhos costumes permanece e nos assombra de modo que passamos a nos diferenciar entre servos e senhores, imitando como crianças tolas as circunstâncias de outrora.

Em verdade não há servo nem senhor. Assim que nossos criadores nos deixaram, legaram também o destino a ser moldado por nossas próprias escolhas.

O funcionamento da mente humana é muito similar a um computador. Temos uma programação básica inserida pelo processo de socialização (família, escola, mídia) e se não nos aplicarmos em ampliar nossa base de informações tenderemos a nos repetir em improvisações pouco criativas, em atitudes e posturas estereotipadas, esperando resultados diferentes mas reproduzindo as mesmas estratégias. E ainda assim insistindo na postura de vítima das circunstâncias.

Na medida em que amplio minha consciência, percebo-me além de programações obsoletas. Não sou escravo da memória nem me constranjo em desimpregnar-me dos hábitos de outrora.

O novo ser que se expressa, livre de determinismos, tem como guia e parâmetro apenas a voz do coração, ressoando a voz da inteligência cósmica.




quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Palavras para o inicio do ano


através de Renato Guenther
28.12.2017



esvazia tua casa,
Nada pretenda nem deduza.

Os sentidos mentem
e os conceitos apenas brincam
como hipóteses de Doutores míopes.

Não tenha certeza de nada.

Saber transcende idéias e pensamentos.

saber é carne em chamas e moscas
sobre os excrementos.

Saber é Verdade Viva e eterno movimento.

Não deduza.
Não se alimente das esmolas do tempo.

Não queira nada nem se venda
aos templos do mundo.

O Júbilo Divino NÃO mente nem maltrata.

Não há sofrimento sob os olhos
do visgo que tudo permeia.

As palavras titubeiam
mas a lã que tece a existência mantêm-se e reina.

Nada tema,
nem se aflija ao som dos gritos
infantis diante do abismo obscuro.

Reencontre conforto na Certeza
como a mariposa que descobre LUZ em Si Mesma.




terça-feira, 22 de agosto de 2017

Palhaços, dimensões paralelas e outras coisas mais!


Eu vi Bingo e gostei!

“Bingo, o Rei das Manhãs” tem direção de Daniel Rezende, editor de nada mais nada menos que “Cidade de Deus”. Conta um período da vida de Arlindo Barreto, um dos interpretes do palhaço Bozo no Brasil.

O filme é repleto de méritos, a começar pela produção e direção de arte, a cargo de Cássio Amarante. A paleta de cores em tom sépia dá uma sensação nostálgica e acolhedora. Cenários, figurinos e objetos de cena remetem eficazmente à década perdida. Lembra muito o trabalho desenvolvido na série da HBO, “Magnífica70”.

O casamento se completa com a exímia trilha sonora, totalmente contundente com a época retratada e amalgamada ao contexto, como exemplo do recente “Em Ritmo de Fuga (Baby Driver)”, funcionando quase como personagem da história.

A fotografia é caprichada, passando longe do vício brasileiro dos três pontos, usado à exaustão nas novelas.

Quanto a Vladmir Brichta, que sempre achei meio canastrão, faz um trabalho maravilhoso. Talvez porque seu overacting se ajuste à personagem.

Direção e produção se complementam de maneira competente fazendo o que avalio como um dos melhores filmes nacionais que já assisti.

Considero um filme competente quando saio do cinema com a sensação de ter sido transportado para uma época, uma cena ou uma história.

Poderia debater uma série de outros pontos, mas o que mais me intrigou ao assistir Bingo foi a nostalgia de um tempo em que o politicamente correto não existia.

Lembro-me das roupas mínimas com que a Xuxa apresentava seu programa. O auge pra mim, ainda criança, foi ouvir às 10h da manhã aquela música “Pipi Popô”, enquanto a loira comandava uma gincana de meninos contra meninas. Eu desliguei a TV naquele dia com vergonha.

Então imagine um Bozo apresentando seu programa totalmente chapado de cocaína?!



A vida na sociedade dita civilizada tende a ser pautada pelo senso comum e por isso repleta de hipocrisias.

Desde cedo aprendemos e nos acostumamos com as mentiras.

Toca o telefone, a criança prestativa atende. É a vizinha chata, a criança tenta passar o telefone para um adulto responsável, mas o que ela ouve é um pedido indecoroso: “Diz que a mamãe saiu”.

Mais de uma vez já aconteceu a velha anedota, a criança volta ao telefone e diz, inocente: “Minha mãe mandou avisar que não está”.

Outras distorções são aprendidas, quando a criança vê uma pessoa muito gorda, ou muito velha, ou muito estranha, aponta o dedo e se inflama. O adulto responsável ensina: “Não aponta que é feio!”

A criança entende: Não fale o que sabe. Não fale o que sente. Não fale a verdade. E assim passa a desconfiar dos adultos. Não educamos. Apenas reprimimos.

De tempos em tempos a hipocrisia social atinge níveis mais intensos resultando em distorções e censuras excessivas, desproporcionais. Foi assim durante a sagrada inquisição. Foi assim com o AI5. Recentemente surgiu uma anomalia semelhante batizada de “politicamente correto”.

Não existe contradição maior do que uma política correta. A história tem demonstrado que o exercício da política não admite a ética. Não no nível evolutivo na sociedade dita civilizada.

Então, nestes tempos em que a hipocrisia mais uma vez impera, surge como bálsamo esse filme, essa memória.

Nostalgia similar me envolveu ao assistir a série “StrangerThings”. Muitos já vinham me recomendando esta série, mas só agora, de férias, pude investir nela e me senti muito recompensando.

A série trata de um grupo de crianças que se dedica a encontrar um amigo desaparecido. Telecinese, telepatia, dimensões paralelas e uma horda de referências à década perdida tornam a atração incontestável.

É interessante imaginar que um bando de crianças consegue fazer de bobo toda uma organização governamental, acobertando e resolvendo os mistérios à sua maneira. As crianças da série pouco contam com os adultos, simplesmente por desconfiar deles.

Os adultos não sabem lidar com a verdade.

Aquilo que não admitimos acaba extraditado para dimensões paralelas, mas não deixa de existir. Em algum momento o que foi encoberto ressurge, muitas vezes de forma grotesca e alarmante, a fim de não ser renegado.

Os monstros precisam ser confrontados, a verdade aceita. Daí progredimos.

O maior exemplo de grotesco é o próprio palhaço, sempre presente nas grandes cortes e único capaz de falar todas as verdades sem ser punido. O palhaço representa esse ser multidimensional, remete à pureza da infância, a um tempo em que as mentiras não existiam ou não tinham função.

Sinto falta de um tempo em que podíamos rir de nossas esquisitices. Temo quando os palhaços começam a ser reprimidos. Nunca se sabe que tipo de monstros podem surgir de outras dimensões.

E o que seria do brasileiro sem sua irreverência?!




quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Quimera ou Cosmoconsciência?


Reflexões sobre a Oficina Experimental de Cinema Digital
do Centro de Convivência e Cultura de Taboão da Serra - SP


por Renato Guenther
05.01.2017


 


  O cinema é uma arte grupal em sua gênese (MASCARELO, 2006) e só se faz possível numa prática coletiva, pois exige trabalho em equipe, onde todos os componentes são de fundamental importância.

  Atuação, cenografia, fotografia, música, edição, entre outros recursos, se mesclam na obra final que se convencionou chamar de filme (ARONOVICH, 2014). O próprio cinema, como arte e produção estética, se mostra uma quimera ao reunir aspectos de diferentes artes antecessoras.

  A Oficina Experimental de Cinema Digital do CECO Taboão surgiu em 2009 com a proposta de familiarizar os participantes ao uso das técnicas e tecnologias que envolvem a produção do cinema digital e permitir a expressão de seus anseios, sentimentos e perspectivas através da confecção conjunta de filmes de curta-metragem em vídeo digital, passando por todas as etapas que envolvem o processo. Em paralelo são estudados e discutidos a história do cinema no Brasil e no mundo, os vários tipos de cinema, e ainda exercitadas uma série de habilidades, desde criatividade, foco, atenção, organização, até comunicação, expressão corporal e principalmente convivência em grupo (FONSECA; GUENTHER, 2016).

  A cada ano, durante os primeiros encontros da oficina, são discutidos temas de relevância para os participantes, gêneros e estilos de linguagem. São selecionados trechos de filmes, produções de audiovisual, livros e histórias em quadrinhos para referências de arte, enquadramento, linguagem e estilo. Em conjunto escrevemos o roteiro, dividimos a equipe entre atores, atrizes, assistentes de direção e produção, equipe de som, arte e figurino. São feitos ensaios e marcações no cenário que sempre partem das possibilidades oferecidas pela estrutura do CECO Taboão. Programamos os últimos 4 ou 5 encontros para as gravações.

  O equipamento e o trabalho de captação de sons e imagens ficam a cargo da Escola de Cinema do Latin American Film Institute (LATIN AMERICAN FILM INSTITUTE, 2016). A partir da parceria voluntária com esta instituição promovemos o intercâmbio de conhecimentos e perspectivas. Em troca, oferecemos a certificação na experiência voluntária de terceiro setor aos profissionais e estudantes da instituição que se dispõe a apoiar o projeto. Montagem e edição ficam a cargo do oficineiro. Em parceria com outros setores e secretarias do município são produzidas cópias da obra finalizada e distribuídas entre todos os participantes.

  Desde 2009, já nasceram 7 produções de curta-metragem em vídeo digital e uma oitava produção já se encontra em processo de finalização. Veiculadas em concursos e festivais culturais e pela internet através do blog da oficina, concorremos a premiações e divulgamos os trabalhos realizados em diversos Estados e municípios (OFICINA DE CINEMA DO CECO TABOÃO, 2016).

  Ao longo da experiência, conquistaram-se aliados e admiradores através da candura e do encanto inerentes ao projeto e ao passo que surgem os resultados. Porém, a maior realização se faz na franca constatação dos progressos cotidianos dos participantes à medida que se demonstram capazes de expressar e materializar seus anseios. Ao se reconhecerem autores, capazes de criar algo conjuntamente e perceber seu trabalho projetado e contemplado por diferentes audiências, surgem sentimentos de valor próprio, pertencimento e maior integração social, o que colabora para a promoção de saúde como um todo (DIONISIO; YASUI, 2012).

  Mas não só o usuário dos serviços de saúde mental do município se torna beneficiado. Ao longo da experiência viemos percebendo também o processo de sensibilização que ocorre com os profissionais, técnicos e voluntários que se doam ao projeto. Também as diferentes audiências que tem oportunidade de conhecer esse trabalho tendem a se comover com o tema da inclusão social do diferente através da arte (CANAL SAÚDE NA ESTRADA, 2016). De fato percebemos um processo de questionamento e conscientização a cerca das fronteiras que delimitam arte e saúde, público e privado, o são e o insano.

  Assim como o cinema, esta oficina já nasceu marcada por hibridismos. Constitui um fenômeno que carrega em si características distintas de diferentes espécies. Produto da arte e das linguagens estéticas, encubada por um equipamento de saúde pública municipal, mas em parceria com uma instituição de ensino particular. Mescla formas, conteúdos, histórias e pessoas em prol do objetivo comum de materializar sonhos.

  Quimera, não como o monstro da mitologia grega, parte leão, parte cabra, parte serpente, que cuspia fogo e aterrorizava aldeões (BRANDÃO, 1987). Uma anomalia, produto incidental do estupro da necessidade de dar voz aos inoportunos e da carência de recursos e condições.

  Sonho que se sonha junto (SEIXAS, 1974), vem transpassando fronteiras e se mostrando forte como a realidade.

  No CECO Taboão, cada filme produzido é uma gestação coletiva. Durante a criação de roteiro, personagens e cenários, cada participante colabora a seu modo, respeitado em suas limitações e estimulado em suas habilidades, de modo que ao final não se pode atribuir o filho a um único pai.

  Quanto aos recursos utilizados, partimos inicialmente das disposições do equipamento público municipal. Mas cada participante acaba colaborando, trazendo peças do próprio guarda-roupas para compor o figurino ou da própria moradia para compor o cenário. Muitas vezes aproveitamos sucata ou objetos desprezados por outros, fazendo o melhor uso possível do que temos, alinhando as possibilidades de cada indivíduo com o tempo, espaço e até as condições climáticas disponíveis.

  Inicialmente, quando Nise da Silveira fez uso da arte em asilos manicomiais, também sua ousadia e inovação foram vistas com incredulidade (BERLINER, 2016). Diante de tanto ardor e dedicação, enfrentando tantas limitações das mais diversas ordens, fica claro que não se trata de algo fácil. Mas se faz imprescindível perceber cada produção como algo lúdico, divertido: causa e conseqüência da necessidade humana de convivência em grupo.

  Assim, alguns eixos fundamentais se delinearam:

- Binômio Arte e Saúde

- Parcerias público/privadas

- Gestações grupais

- Eficiência : “fazemos o melhor com o que temos”

- Diversão : “se não for gostoso não vale a pena”

- Inclusão

  Mas se esta oficina não se compõe de meros retalhos ao modo dum monstro como fez o personagem de Mery Sheley no romance Frankenstein (ARAUJO, 2016), o que fermenta seu trabalho?

  Segundo Vieira (1999), cosmoconsciência é a condição ou percepção interior da consciência do Cosmos, quando a consciência sente a presença viva do Universo e se torna una com ele. O termo é um neologismo para uma condição descrita anteriormente por outro ilustre acadêmico: Richard Maurice Buke.

  Buke foi, entre outras ocupações, psiquiatra e dirigente de asilos para insanos no Canadá, nos idos de 1870. Reformista e inovador no tratamento de alienados, nutria estreita admiração pelo poeta americano Walt Whitman, de quem foi amigo e biógrafo (HARRISON, 1990).

  Em 1901 teria publicado sua grande obra, “Consciência Cósmica” em que trata do fenômeno impar que deu nome a seu livro.

  Falando de maneira simplista, o fenômeno consistiria numa espécie de expansão de percepção e entendimento, aliado a manifestações físicas bastante marcantes. O estado máximo de consciência do ser humano em que ressignifica sua experiência de existir, percebendo além das fronteiras aparentes. Algo a não ser narrado, mas experimentado e que o próprio autor tentou descrever assim:

  Entre outras coisas em que não chegou a acreditar, percebeu e compreendeu que o Cosmo não é matéria morta e sim uma Presença viva; que a alma do ser humano é imortal; que o universo é tão bem estruturado e ordenado que, sem qualquer possibilidade de erro, todas as coisas trabalham juntas para o bem de cada uma delas; que o principio fundamental do mundo é o que chamamos de amor e que a felicidade de cada um é a longo prazo absolutamente certa. (BUKE, 1996, pág. 43)

  Tal fenômeno equivaleria ao que as mais diversas correntes místicas definiriam como iluminação (WHITE, 1997). Estado de percepção de que estamos todos ligados e funcionando em harmonia com uma vontade, que ao mesmo tempo é a vontade de todos e uma vontade maior: transcendente.

  Para além do misticismo, Buke descreve a consciência cósmica como um estado a que o ser humano evoluirá naturalmente assim como evoluiu um dia de uma consciência simplista para a autoconsciência.

  Porém não é interesse deste artigo navegar em águas turvas, mas traçar um paralelo entre o fenômeno descrito por Buke e a prática observada na Oficina Experimental de Cinema Digital do CECO Taboão, pois os trabalhos relacionados aos cuidados com os mentalmente transtornados vêm se valendo cada vez mais de diferentes práticas e olhares, intersetoriais e multiprofissionais (AMARANTE, 2008).

  Segundo Lopes (2015), em um Centro de Convivência, o conceito de “nós” é diferente do conceito de eu e o outro, “implica como um abraço probiótico que mistura perfumes dos corpos distintos quando esse abraço se dá.” (LOPES, 2015, pág. 28)

  Quando nos percebemos borrando fronteiras (TAMIS, 2016) entre arte e saúde, publico e privado, são e insano, cidadania e exclusão, sonho e realidade, convém questionar se as fronteiras realmente existem ou se são mera reação à inconsciência de um sistema maior. De fato, como equipamentos e sistemas que deveriam funcionar em rede, percebemo-nos como desbravadores deste estado de consciência maior, não criando um monstro, mas trazendo luz para as possibilidades existentes, amadurecendo e evoluindo na prática de saúde mental: expandindo consciências.

  Nos interessa portanto questionar e refletir se esta experiência não representaria a manifestação espontânea de ao menos um sussurro do processo de transcendência da ilusão de separação (OSHO, 2006) determinada pelo ego analítico humano.

Existimos mutuamente, somos membros uns dos outros.
A consciência é um vasto oceano e ninguém é uma ilha.
Nós nos encontramos e nos fundimos uns nos outros.
Não há fronteiras.
Todas as fronteiras são falsas.
(Tilopa em: OSHO, 2006, pág. 230)






REFERÊNCIAS

AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.

ARAUJO, A. F. O monstro de Frankenstein: uma leitura a luz do imaginário educacional. Revista temas em educação, v. 23, n. 1. João Pessoa: jan.-jun. 2014. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/index.php/rteo/article/viewFile/18790/11416 . Acesso em: 27 out. 2016. 

ARONOVICH, T. Fazendo Cinema, São Paulo: Editora Criativo, 2014.

BERLINER, Roberto. Nise: No Coração da Loucura. Filme. Imagem Filmes, Brasil, 2016.

BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega vol. III. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

BUCKE, R. M., M.D. Consciência Cósmica. Paraná: AMORC, 1996.

CANAL SAÚDE NA ESTRADA, Fiocruz. SP: Taboão da Serra e Campinas, programa exibido em 05/10/2015. Disponível em: http://www.canal.fiocruz.br/video/index.php?v=SP-Taboao-da-Serra-e-Campinas-CSE-0080 . Acesso em: 27 out. 2016. 

DIONISIO, G. H.; YASUI, S. Oficinas expressivas, estética e invenção. In:  AMARANTE, P.; NOCAM, F. (Org.). Saúde mental e arte: práticas, saberes e debates. São Paulo: Zagodoni, 2012, p.53 – 65.

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Desmembrando-se das realidades! (contém spoilers)


Intriga-me a percepção do antagonismo na vida.

Eu não creio em crises.

O inimigo, o problema, o percalço, o desafio, o difícil.

Uma situação pode ser classificada como difícil quando ainda não tenho familiaridade com ela, quando me faltam as habilidades necessárias para sua dissolução.

Para a criança que engatinha, o difícil é conseguir andar.
Para o estudante secundarista, o difícil é a matemática científica.

Ainda falta o exercício, o entendimento, a compreensão. Falta o treino da habilidade. Falta a maturidade. É difícil, mas não é impossível.

O treino das habilidades necessárias para tornar o difícil em algo trivial pode ser encarado como um desafio, uma aventura, uma diversão. É gostoso crescer, aprender, desenvolver-se, evoluir. Não há nada de amedrontador em evoluir. Ou pelo menos não deveria haver.

Então de onde vem o terror, o medo, o drama que torna a passagem natural da evolução num martírio de dor, sofrimento e lamentação?

Basta um pouco de observação para entender que, para a vida, harmonia tem relação com o movimento, o orgânico, o curvo, o arredondado.

Tudo no cosmos está em movimento, intercalando momentos de contração e expansão. Tudo se transforma e evolui. É a natureza da vida, do cosmos, do todo.

Mas se o natural é movimento e evolução, se as novidades existem para que nos adaptemos a elas desenvolvendo novas habilidades, por que nossa mente tende a encarar os desafios como dificuldades?

Nossa mente tem uma programação que prefere o cômodo, o padronizado, o uniforme, o reto, mas não necessariamente o harmônico.

Tudo que nos tira do conforto de nossas certezas encaramos com inimizade, dissabor e medo.

Que programação perturbadora é essa?

Surge então a figura do demiurgo, o “deus falso”, o “eu limitado”, criador de realidades frágeis e incompletas.

Recentemente assisti ao filme Snowpiercer (2013 - aqui horrendamente intitulado como “O Expresso do Amanhã”) que retrata os últimos remanescentes da espécie humana tentando sobreviver em um trem expresso deslizando sem parar no que seria um planeta Terra congelado, dominado por uma era do gelo artificial.

                         
O trem é uma metáfora da eterna distribuição da humanidade, em que a maioria desvalida e oprimida sobrevive aos abusos de uma minoria abastada. Uma verdadeira ditadura de classes: aos ricos, cabines luxuosas e sushi de salmão; aos pobres, amontoados na calda do veículo, ração a base de insetos. É também uma aula de marxismo. A solução está na revolução. Vemos Chris Evans interpretando o líder operário (óps!), digo, revolucionário, numa tentativa de tomar o comando da locomotiva e libertar o povo da opressão capitalista. Porém, é no encontro com o maquinista que vemos a fragilidade do sistema e ao mesmo tempo a sedução do poder. Isso porque nosso líder operário não se dá conta de que suas pretensões eram previstas e até planejadas pelo próprio maquinista do trem. A revolução é um embuste necessário para prover um rebbot de manutenção do sistema (algo parecido com a revolução de Zion e o encontro entre Neo e o Arquiteto na trilogia Matrix). A verdadeira saída mesmo é tirar o trem dos trilhos, destruir a ilusão de ordem e caos, desmembrar-se da falsa realidade, solução perceptível apenas aos que tem olhos de ver e ouvidos de ouvir.


Da terra congelada continuamos no universo dos apocalipses climáticos e chegamos a Interestelar (2014). Vemos nosso planeta desolado por pragas. Incapacitados de produzir alimentos, aos homens resta apenas procurar outro planeta para dizimar. Matthew McConaughey interpreta o astronauta que lidera uma expedição por um buraco negro, ou buraco de minhoca, até outro quadrante do universo com três novos planetas em condições promissoras para a manutenção da vida. Enfrenta toda uma série de percalços até ser sugado para a singularidade e transportar-se para um ponto distinto do espaço-tempo. Lá descobre-se agente das causalidades que perscrutaram seu destino. Novamente vemos a sombra do demiurgo tentando premeditar e planejar com seu senso de percepção limitado. Só na humildade diante do desconhecido pode o homem assumir o poder divino de conduzir o próprio destino, permitindo-se fluir com o infinito.

O problema do demiurgo está na arrogância de crer-se conhecedor do todo. Coloca-se soberano, acima do inconsciente que na verdade desconhece e teme. Articula com minúcia de detalhes a partir do universo conhecido, criando a própria realidade. Mas a grandiosidade da vida abrange também o desconhecido. A vida age sabiamente e escreve sempre certo sem precisar de linhas. Para o demiurgo, tudo que sai da linha lhe parece errado. Luta para defender seu reino frágil, repetição após repetição, até que um dia seu orgulho se esgote e volte a se colocar novamente a serviço da vida como um ser inteiro, percebendo-se parte do todo verdadeiro ao invés de reinar apenas sobre fragmentos.

Humilde, rendido a vida, pode então canalizar a sabedoria máxima, a força búdica ou crística, experimentando a consciência cósmica.

Esse exercício de humildade vemos no relato de Alejandro Jodorowsky no documentário Dune (2013). Todo esmero e minúcia dedicados ao maior filme de ficção científica que jamais foi filmado. Mas a lição está lá, na sua própria versão da história, na força crística finalmente revelada.

Sair do sistema é desmembrar-se da realidade criada por um deus falso. Esse deus habita nossas mentes como uma programação.

No filme Garoto 7 (Boy 7, 2015) vemos essa tentativa de acorrentar os desviados. Essa força gravitacional habita a sociedade e as culturas atraindo todos os seres para baixo. Mas é ao alto que se destina nosso espírito. Não precisamos extrair cirurgicamente o chip magnético que nos foi implantado, pois ele não é físico. Ele é frágil como uma crença infundada. E quando enfrentamos essas crenças infundadas, nossa consciência se expande.
                           
As crises de verdade não existem. São momentos de reboot do sistema, oportunidades para desmembrarmo-nos das falsas realidades e expandir nossas consciências.

A “crise” pode sim, momentaneamente, diminuir o poder de compra de meu salário, prejudicar minha liberdade de ir e vir, amedrontar-me quando estou desmemoriado, mas ela não existe nem é real, pois não pode jamais se abater sobre meu espírito.